Lançamento da edição especial da Revista do Centro de Cultura Social relembrando os 100 anos de falecimento de Ricardo Flores Magón. 

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O número 2 da revista do Centro de Cultura Social é dedicado aos 100 anos da morte do revolucionário Ricardo Flores Magón, que participou da Revolução Mexicana de 1910 a 1917, e cujo nome, suas lutas e sua contribuição à Revolução Internacional são pouco ou nada conhecidos fora dos meios libertários.
O primeiro texto “Ricardo Flores Magón, uma biografia” é de Mario Rui, que traça um interessante perfil desse personagem, destacando que ele é o criador da corrente chamada anarcoindigenismo; pelo seu caráter rebelde passou por várias prisões nos EUA e México; colaborou na fundação de diversos jornais. Mario nos apresenta um Magón que não nasceu anarquista e foi, sim, influenciado por outras ideias da época, que muito rapidamente abandonou, trazendo para o anarquismo mexicano as influências das tradições indígenas e transformando o PLM (Partido Liberal Mexicano) em um espaço de articulação e conspiração. Magón foi tão perseguido que todos que publicassem seus artigos poderiam ir para a prisão ou receber uma multa. Mesmo fora do México, os tentáculos do Estado mexicano em conluio com os capitalistas norte-americanos continuam a persegui-lo. Se o Estado, para combater a revolução, extrapola os limites das fronteiras, os libertários pelo mundo unem-se solidariamente na defesa dos revolucionários, assim foi a participação, entre outros, de Emma Goldman e Alexander Berkman. Muitas lutas, muitas histórias, pouco ou nada conhecidas.
Em “Ricardo Flores Magón: índio anarquista”, Carlos Beas começa por fazer uma contextualização considerando a luta caudilhista pelo poder, de um lado, e a revolução social, de outro. Uma revolução que mobilizou e trouxe para o campo das realizações as utopias acarinhadas e alimentadas durante muito tempo. Essa história, como infelizmente é comum, foi diminuída, menosprezada, silenciada nas narrativas oficiais das lutas sociais, e seu caráter libertário foi apagado. Carlos faz um resgate histórico de muitos aspectos dessa luta, das traições, das articulações, das escaramuças e lutas que ocorrem em várias regiões do México. Muito interessante os relatos das participações das mulheres e indígenas em todo esse período, do relevante papel que desempenharam. Ao resgatar parte dessa história, Carlos demonstra o quanto as lutas magonistas estão presentes nas conquistas alcançadas pelo povo mexicano.
Benjamín Maldonado nos traz a indevida, vergonhosa e totalmente descabida apropriação da figura de Ricardo Flores Magón que está sendo realizada pelo governo mexicano, que tenta associar a figura de Magón às políticas e ações governamentais. Assim, faz uma vergonhosa falsificação da história para atender às suas necessidades eleitoreiras. Nada mais contraditório do que associar a vida, lutas e história desse grande revolucionário a qualquer governo. É como se, novamente, não só estivessem assassinando Magón, como também destruindo tudo aquilo por que lutou.
A Revolução mexicana também chegou ao Brasil, como nos relata Marcolino em “Solidariedade operária latino-americana: a Revolução Mexicana e seus impactos no Brasil”, que traz a importante relação entre os anarquistas em todo continente americano, inclusive como a imprensa anarquista brasileira acompanhou e refletiu os acontecimentos desse importante movimento. Aqui no Brasil foram criados grupos de apoio que fizeram comícios, lançaram manifestos, recolheram dinheiro para concretamente apoiar os revolucionários. Tamanha foi essa mobilização que até a imprensa burguesa teve de trazer à tona aquilo que a burguesia adora esconder: um movimento que lutava pelo fim da propriedade privada, por formas mais horizontais, plurais, solidárias e autogestionárias de organização da sociedade.
No texto “Anarquismo, magonismo e zapatismo”, Cassio Brancaleone reflete hoje, 100 anos após a morte de Magón, sobre a influência e confluência do anarquismo, magonismo e zapatismo nas lutas camponesas e indígenas, do movimento operário internacional e do antiautoritarismo. Trata do surgimento das lideranças políticas e militares de Zapata, Villa e Magón e do deslocamento de um equivocado olhar, muito eurocêntrico, sobre as lutas anarquistas, para uma visão mais global, dando ênfase às lutas com forte influência indígena, como a dos Zapatistas mexicanos, a partir de 1994.
A seguir, temos seis contos que foram publicados em números diversos do jornal “Regeneración”, semanário dos revolucionários mexicanos, e traduzidos pela companheira Jamile Gonçalves, do Centro de Cultura Social de São Paulo.
Em “O sonho de Pedro”, Pedro, humilde trabalhador, após ler o “Regeneración”, começa a se fazer uma série de questionamentos sobre temas caros ao anarquismo, como, por exemplo: “Como viver sem governos? Sem leis e juízes? Quem tem interesse que esse sistema econômico, social e político continue?” Pedro tem um lindo sonho sobre um mundo diferente.
Em “Viva a terra e a liberdade”, em plena luta, Juan se pergunta: “Por que se fez a revolução? Quem venceu a Revolução? Quando tudo permanece exatamente igual?” Grande surpresa!
“A Liberdade Burguesa” coloca em questão algumas das formas de representatividade em que o eleito se emancipa do eleitor, das contradições dessa forma de organização e dos resultados das lutas que, ao invés de emancipar, nos aprisionam...
No conto “O pudim de pão”, o próprio pudim narra sua incompreensão ao ver como as pessoas se comportam diante dele, exposto em uma vitrine. Ah, o pudim de pão, alimento tão simples, mas tão desejado, um pudim que não entende como não pode matar a fome das pessoas: “Se não for comido, serei desperdiçado. Por que não me tomam a força? Por quê...?”
Em “Cobrando Méritos” O diálogo entre o Presídio e a Igreja nos possibilita a reflexão sobre duas das piores formas de aprisionamento do corpo e do espírito.
Em “O Fuzil”, quem toma a palavra é a própria arma: “Sirvo a quem? E para que sirvo?” Muito curiosa essa indagação, afinal depende de em quais mãos ela esteja e para qual finalidade será usada.
Como os leitores perceberão, uma das características marcantes dessa publicação é a ênfase no papel desempenhado pelas comunidades indígenas do México. Rodrigo Thurler em “O PLM e a questão indígena na revolução mexicana” traz um questionamento sobre essa origem indígena dos irmãos Magón, sobre as influências indígenas dentro do liberalismo mexicano, e tenta traçar uma relação entre as ideias propriamente anarquistas e a sua confluência com as lutas para conquistar e garantir direitos aos povos indígenas, por exemplo, a expropriação e devolução de terras para essas populações. O artigo aborda também as lideranças indígenas e suas organizações guerrilheiras e militares.
Barbara, da CAFI (Coletiva Anarcofeminista Insubmissas), traz uma importantíssima contribuição com a reflexão, muitas vezes apagada, sobre a participação das mulheres na história do movimento anarquista e em particular na Revolução Mexicana. Das “soldaderas” como Adelita e coronelas como Dolores Jiménez, María Quinteras ou Petra Herrera que se vestiu como homem para participar da luta e se proteger contra as diferentes formas de violência, da general transgênero Amelio Robles e inúmeras mulheres, nesse caso especificamente anarquistas, entre essas, Maria Tavalera, sua filha Lucia Norman que participaram com Magón do Partido Liberal Mexicano e contribuíram para o jornal “Regeneración”.
Desejamos uma boa leitura!