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As origens

(por Jaime Cubero)

O Centro de Cultura Social de São Paulo foi fundado em 14 de janeiro de 1933 como remanescente das entidades culturais criadas pelo movimento anarcossindicalista e libertário nas primeiras décadas do século XX.Quando o fluxo imigratório se acentuou a partir dos últimos anos do século passado, os trabalhadores que aqui chegavam, muitos deles saídos da militância anarquista na Europa, ao organizarem suas sociedades de resistência, não só para luta por melhores condições de vida, mas movidos, por ideais de transformação social, passaram a criar seus centros de cultura.Cada associação, união, liga ou como se chamasse a entidade profissional fundada, procurava criar seu centro, ateneu ou grêmio cultural, transportando para o Brasil a prática do Movimento Libertário europeu e a preocupação permanente dos anarquistas com a educação e a cultura. Criou-se uma vasta rede de entidades culturais entre os trabalhadores, com suas bibliotecas, publicações, elencos teatrais etc. Pouca coisa restou à sanha policial nos longos períodos de repressão, quando as bibliotecas, os periódicos, programas e documentos eram destruídos. Só o zelo e uma resistência em surdina possibilitou a alguns militantes salvar o suficiente para testemunhar a imensa obra desenvolvida. Exemplificamos com algumas entidades, dentre muitas outras, cujo registro e documentos possuímos: Grupo Filodramático Social (1905), Grupo Filodramático do Centro de Estudos Sociais do Brás (1906), Grupo Libertário do Brás (1910), Grupo Aurora Libertas (1911), Circulo de Estudos Sociais Francisco Ferrer (1912), Círculo Filodramático Libertário (1914), Centro Feminino Jovens Idealistas (1915), Associação Universidade Popular de Cultura Racionalista (1915), Centro de Estudos Sociais Juventude do Futuro (1920), Grupo Nova Era (1922), Biblioteca Social A Inovadora (1924). Todas de São Paulo. Essas entidades se espalharam pelo Brasil, com predominância em São Paulo e Rio de Janeiro.A partir de 1930, com o refluir do movimento - por uma conjugação de fatores que não cabe tratar aqui - decidiram os militantes de São Paulo fundar uma entidade que, atendendo aos seus objetivos culturais e educativos servisse de instrumento para desenvolver suas atividades, como marco inicial de uma retomada na caminhada dos ideais libertários. Consta dos estatutos do Centro de Cultura Social que o mesmo tem por finalidade "estimular, apoiar e promover nos meios populares e, principalmente entre os trabalhadores, onde as possibilidades de cultura são limitadas por toda espécie de empecilhos, o estudo de todos os problemas que se relacionam com a questão social". E mais, que o Centro "trabalhará para desenvolver nos meios populares o espírito de solidariedade, condena todas as formas de tiranias que prejudicam as liberdades individuais e coletivas; todas as formas de exploração, que anulam as possibilidades econômicas para o desenvolvimento do indivíduo", e mais, se propõe "auxiliar a fundação de centros com igual finalidade em subúrbios e em outras cidades, estabelecendo com os mesmos e com as entidades já existentes uma obra de conjunto".Desde sua fundação o Centro de Cultura Social promove intensa atividade cultural. Já em janeiro de 1933 anunciava a conferência da escritora argentina Concepción Fernandez, subordinada ao título "A Música como Fator de Aproximação dos Povos"; no dia 23 de julho do mesmo ano anunciava grande ato comemorativo do 1º aniversário da morte de Errico Malatesta. Além das conferências, cursos, exposições, montagens teatrais com grupo próprio etc., o Centro de Cultura Social participa de campanhas políticas de envergadura, como a luta antifascista, juntamente com o jornal "A Plebe" e outros órgãos libertários [...].

As origens – o ateneu libertário 

A palavra ateneu se origina do grego Athenáion , nome que designava as associações de caráter cultural, científicas ou literárias, entidades não oficiais de instrução, academias. O nome também se aplicava ao local onde ocorriam as reuniões dessas sociedades. A partir da segunda metade do século XIX, na Europa, fundaram-se os primeiros ATENEUS LIBERTÁRIOS, dedicados a fomentar a cultura entre o proletariado. Os ateneus foram grandes promotores da arte, da cultura e do conhecimento em geral. Neles se originaram - ainda que os interesses dominantes hoje não sejam os mesmos, no fundo as necessidades não variaram - as aspirações à dignidade do ser humano e os anseios de liberdade em confronto com uma cultura enquadrada numa sociedade autoritária e discriminatória. Atenderam à necessidade de uma entidade que levasse a cultura e o saber à rua e proporcionasse abertamente os conhecimentos e a solidariedade desejada.Atualmente tudo concorre para a alienação do individuo. Multidões vivendo em cidades dormitórios, sofrendo a influência castradora dos meios de comunicação de massa a serviço das classes dominantes e do Estado. Toda uma carga avassaladora de estímulos  destinadas a reproduzir, sustentar e ampliar interesses criados, atomizando os indivíduos, levando-os ao isolamento, anulando toda potencialidade criativa. Diante desse quadro, o Ateneu Libertário surge como alternativa onde temos a oportunidade de expressar nossa identidade e onde as tarefas comuns atingem seu mais alto sentido, como expressão de comunicação e entendimento, convertendo-se no lugar onde se analisam e projetam as respostas às necessidades que surgem na comunidade dos bairros e cidades.O Ateneu Libertário é uma associação autônoma e libertária, com identidade própria, cuja organização é a federação livre e voluntária de indivíduos e grupos, com a Assembléia como órgão de discussão, debate e decisão, com cargos de contínua revogabilidade e permanente rotação. É um centro de aprendizagem e cultura libertária. Seu âmbito de atuação é público, a rua, o bairro, e a cidade. Portanto, o Ateneu oferece-nos as tarefas de informação e formação e uma participação que implica em responsabilidade nas diversas atividades. Baseia-se na cooperação e fundamentalmente no apoio mútuo e na expressão de liberdade do indivíduo e a autogestão será seu motor primordial.Historicamente, na Europa, principalmente na Espanha, os ateneus tiveram e tem presença marcante na vida do Movimento Libertário e podem ser considerados como centros onde se expuseram, em todos os tempos, as preocupações e a prática dos militantes anarquistas. Neles convergem as tendências libertárias e as formas diferentes de interpretar a luta contra o capitalismo e o Estado, nos aspectos diversos, mas inseparáveis da mesma realidade.Situados em diferentes bairros de cidades grandes e pequenas, foram sempre um espaço de lazer e cultura para os trabalhadores após o horário de trabalho. Ao mesmo tempo, centros de instrução destinados a substituir os valores tradicionais de uma ordem hierarquizada e dividida em classes. Centros onde se destacam os valores defendidos pelo anarcossindicalismo e o Movimento Libertário. Tais valores repudiavam e continuam repudiando a sociedade autoritária, apresentavam e continuam apresentando as alternativas de uma sociedade nova baseada no apoio mútuo e numa ética de responsabilidade pessoal intransferível. Isto significa assumir a responsabilidade com todos os seus riscos, a liberdade com todas as suas implicações, porque só a liberdade e a responsabilidade não delegada podem criar uma vida nova.Nos ateneus foram tratados assuntos nunca antes tocados em lugar nenhum. O estudo da sexualidade, da natureza e do equilíbrio desta com a pessoa humana, fundamento da atual ecologia. As escolas racionalistas foram outro aspecto demonstrativo da influência, no caso, das idéias-força do Anarquismo sobre a pedagogia. Sua atualidade demonstra a importância da função dos ateneus. 

No Brasil - dos ateneus aos centros de culturas 

No Brasil, considerando as variáveis próprias de lugar e tempo, o Centro de Cultura Social corresponde exatamente à função do Ateneu Libertário. Sua trajetória é adequada exatamente às mesmas finalidades. No passado, no presente e nas perspectivas futuras. O Centro é essencial à projeção libertária sobre a vida atual, principalmente porque dessa projeção há de se prefigurar o mundo futuro que desejamos. Queremos dizer, desde o meio em que vivemos, desde a marginalidade em que nos desenvolvemos, devemos ganhar, paulatinamente, mas sem descanso, espaços e setores de consciência e opinião, devemos aumentar em quantidade, força e intensidade a presença libertária nos bairros, distritos e municípios. Outros centros devem ser criados. Eles são o espaço dessa prática libertária generalizada que deve ir substituindo os valores viciados da burguesia e do capitalismo, penetrando profundamente na consciência social.Devemos estar nos sindicatos e entidades específicas, mas também devemos estar nos Centro de Cultura. Ademais os centros e possíveis e futuras federações de centros terão um papel fundamental na configuração do Movimento Libertário, se conseguirmos torná-lo o catalizador de todas as forças, correntes, tendências e práticas libertárias que atuam no seio da atual sociedade. As atividades dos Centros de Cultura devem orientar-se para o aprendizado e a formação das pessoas priorizando o tratamento da ética libertária, essência de nossas atuações e esquemas organizativos.Os Centros de Cultura são espaços de luta contra o autoritarismo existente, que se manifesta através da repressão que permeia todas as esferas de nossa vida, seja na família, na escola, no exército ou na fábrica. Quando alguém se rebela contra a ordem existente, o lugar que o espera é a prisão, o reformatório ou qualquer instituição criada para reprimir e castrar. A alternativa que surge como forma de luta é o Centro de Cultura, tentando arrebatar do Estado e do capitalismo, em espaços de atuação, parcelas do seu controle, por meio de uma educação e cultura não institucionalizada, desenvolvendo uma consciência crítica, que faça dos homens e mulheres seres livres. Livres na atuação e nas idéias, sem influências estranhas ou artificiais à natureza de cada individuo.À proporção que adquirimos conhecimentos sentimo-nos mais livres. A grande força criadora do homem está no conhecimento. Conhecer é vencer obstáculos, é abrir espaços à liberdade. Sabem muito bem todos os poderosos que o saber liberta, e por isso querem regulá-lo, para por esse meio manietar mais facilmente o espírito humano. Cultura a meias, conhecimentos bitolados, doutrinas oficiais, programas pré-estabelecidos segundo os interesses do Estado, controle total de todos os institutos e escolas de todos os níveis, destinados a reproduzir o sistema de privilégios em que vivemos, sempre usando medidas para evitar que o povo possa aquilatar a miséria moral e a mediocridade dos que governam.Os Centros de Cultura hoje, como os Ateneus Libertários, ontem, são a resposta. Desenvolvendo atividade social, no apoio às lutas das comunidades (ensino, ecologia, saúde, educação...) participando sempre a favor da autogestão e contra a manipulação de partidos políticos. Incentivando a cultura e a educação libertária, organizando palestras, cursos, festas, cinema, teatro, bibliotecas e tudo o que a criatividade num espaço não reprimido possa germinar.Nossos Centros são freqüentados por muitas pessoas em busca de informações e conhecimentos, que não são anarquistas. Pessoas que começam a ter contato com idéias e novas formas de relacionamento humano, que poderão, com o tempo, integrarem-se ou não ao Movimento Libertário. Daí a necessidade de um Movimento Específico, onde participem somente os militantes, - pessoas com idéias e convicções definidas - que sem deixar de participar nos Centros, possam de maneira organizada e solidária articular-se na esfera das necessidades específicas.

 

A Formação do CCS

(por Nildo Avelino)

[...] No início do século passado, o sindicato fora o grande baluarte das lutas e reivindicações operárias de influência anarquista; houveram outras frentes de batalha dos libertários, como o anticlericalismo e o antimilitarismo, mas quase sempre foram conduzidas tendo á frente o sindicato operário como força de mobilização para a prática revolucionária.[...] O sindicato era concebido como instrumento de preparação do terreno para receber a semente lançada pela propaganda revolucionária; sem a propaganda, comenta Neno Vasco: “as massas, embora associadas, não saberiam interpretar os fatos. nem aproveitar as circunstâncias, lendo, pelo contrário, as lições da experiência no sentido mais grato a sua preguiça e a sua inércia” (N. VASCO). É aqui que a luta econômica liga-se a uma ética e uma estética anarquista que ultrapassa o limitado e sufocante cotidiano fabril: novos lugares são inventados e um novo cotidiano é dado ao indivíduo na forma de bibliotecas, conferencias, concertos, piqueniques, espetáculos filodramáticos e musicais, realizados pelos sindicatos ou por outras associações por eles criadas como o Centro de Cultura Social de São Paulo. [...]. Assim como os sindicatos o CCS é uma organização pública do movimento anarquista destinada a estudar e debater os problemas sociais tendo por objetivo "promover nos meios populares, principalmente entre os trabalhadores, onde as possibilidades de cultura são limitadas por toda sorte de empecilhos, o estudo de uma nova ordem de coisas baseadas em princípios de justiça e de equidades sociais, que facultem a cada indivíduo e à coletividade, o gozo de uma situação de liberdade e bem estar, resultado do esforço comum e a que todos fazem jus" (Estatutos de 1991). Nele as tradições anarquistas foram transmitidas de geração em geração. Edgar Leuenroth, Pedro Catallo, Florentino de Carvalho, entre outros, que lutaram ao lado da primeira geração de imigrantes anarquistas em São Paulo, formaram a geração seguinte dos Cuberos, do Oliva, do Lucca. entre outros. A trajetória deste centro de tradição anarquista pode ser dividida em três fases:

a primeira vai da sua fundação em 1933 ate o seu fechamento pela ditadura getulista em 1937 e diz respeito à sua forte atuação, junto com a FOSP, nas lutas antifascistas que culminaram no enfrentamento entre anarquista e integralistas na praça da Sé;

a segunda refere-se ao período que vai da sua reabertura em 1945 até seu novo fechamento  em 1969, após a promulgação do Ato Constitucional de nº 5;

e a terceira fase diz respeito às atividades desenvolvidas após a abertura democrática em 1985 até hoje.

Primeira Fase: 1933-1937

Com o refluxo do movimento operário provocado, ao nosso ver,  pela tríplice conjugação repressão-trabalhismo-comunismo as energias libertárias serão direcionadas para outros focos de militância que não o sindicato propriamente dito. É preciso lembrar que esses focos sempre existiram como invenções culturais libertárias tendo o sindicato como grande baluarte de suas lutas, o que vai ocorrer neste período será a retomada destas práticas mais ou menos à margem do sindicato e, ao mesmo tempo, uma problematização do sindicalismo revolucionário como forma de resistência anarquista. Neste sentido será uma prática corrente a associação de indivíduos afins que, à margem dos sindicatos atuarão como seu complemento no objetivo de "preparar militantes, esclarecer e educar o proletariado na sua finalidade revolucionária". O elemento novo está: i) no apelo que já não é aos "operários em geral" para que se associem por categoria profissional, mas ao individuo consciente e afim; ii) e na preocupação em fixar um número máximo de membros, no máximo 15 pessoas: não se tratará, doravante, de "conclamar as massas", mas formar "grupos minoritários" de militância.

Certamente se apelará as "massas" em circunstâncias determinadas, porém é preciso perceber que se assistiu muito recentemente (1932) a sua adesão a levantes bastante alheios a seus interesses. Passou-se a questionar as possibilidades efetivamente revolucionárias do sindicato como órgão transformador da sociedade e, frente ao desânimo da luta sindical, uma forma de resistência anarquista foram os chamados "grupos por afinidade"[...]. As organizações anarquistas tornaram-se sensíveis a questão da ética e nesta direção convergiram seus esforços para sua realização. Este é um dos signos desta década de 1930 e nele também se insere não apenas a própria fundação do Centro de Cultura Social, mas como toda sua atividade. Sediado no mesmo local que a Federação Operária de São Paulo na Rua Quintino Bocaiúva nº 80, a sua primeira atividade é realizada, em 01/02/1933, pela conferência intitulada "O perigo Espiritual" por Antonio Picarolo.[...] Em seguida o Centro chama para um ato público marcado para 11/02/1933 contra o vergonhoso tratado de Latrão", "dando prosseguimento ao seu programa de ilustrar os trabalhadores sobre a significação deste ato e das suas funestas consequências, onde falaram Bixio Picciotti, Florentino de Carvalho e Francisco Cianci. Em 18/02/1933, A Plebe informa a realização da conferência "Da escola à sociedade" pelo garçom Souza Passos. Após ter-se atirado na luta antifascista, da qual resultou o enfrentamento  entre anarquistas e integralistas no episodio conhecido como "A batalha da Praça da Sé", o Centro de Cultura Social passa a fazer uma intensa denuncia contra os ecos da Lei de Segurança Nacional, a "Lei Monstro", "lei liberticida". E apesar de suas denúncias, a lei é sancionada pela Câmara em 27/03/1935 causando um descontentamento geral; a Aliança Nacional Libertadora conspira e em 27/11/1935, alguns revolucionários tomam o quartel no Rio de Janeiro; o levante, conhecido como a "Intentona Comunista", é derrotado sob o comando do chefe da policia Filinto Müller e com o consentimento de Getúlio Vargas, do Exercito e das bancadas governistas de São Paulo: o estado de sitio aparece logo após a revolta de novembro de 1935: sindicatos são fechados, operários são presos. a imprensa e amordaçada e o número de mortos e assustador. Concedido inicialmente pelo prazo de 30 dias. e estado de sitio é prorrogado por mais 90, agora com autorização para equipará-lo a estado de guerra, que durará até junho de 1937; toda oposição é calada com a implantação da ditadura em novembro desse mesmo ano.

Segunda Fase: 1945-1969.

A Plebe ressurge em 01/05/1947, apôs a queda de Getúlio Vargas em 1945; "juntando os cacos velhos, os destroços deixados pelo tufão reacionário, para recomeçarmos a construção do edifício que aorigava e continuará a abrigar um sonho de liberdade e fraternidade humanas (“ Voltando a Luta", A Plebe, nº 1, 01/05/1947). Nesta sua nova fase, dirigida pelo seu então fundador Edgar Leuenroth, já se nota uma nova geração de articulistas: Lucca Gabriel e Liberto Lemos Reis. O Centro de Cultura Social será retomado em 09 de julho de 1945 onde, "à rua José Bonifácio nº 387. sábado, realizou-se uma assembleia geral de pessoas que fizeram parte do Centro de Cultura Social, fundado em 12 [sic] de Janeiro de 1933, e que. em virtude de várias circunstâncias, interrompera a sua atividade" (Estatutos 1945). Nesta altura, um grupo de jovens anarquistas surgia na vila Bertioga sob a influência de Florentino de Carvalho; segundo Pedro Catallo, Florentino "fundou várias escolas, era esse o seu meio de vida, algumas com nome de 'Escola Moderna', de uma dessas escolas, alguns alunos resultaram excelentes companheiros, como: Liberto Lemos, Jaime e Francisco Cuberos, e outros que nunca mais os vi" Esse grupo de jovens passa a frequentar as atividades do Centro de Cultura Social e se tornarão. durante a década de 1960, seus maiores articuladores. A Plebe, retomando o Centro, anuncia suas finalidades dizendo que o Centro de Cultura Social: "[. .. ] é uma organização cultural há muitos anos incorporada à vida pública de São Paulo [. . .]. Tendo por ponto de partida a liberdade, traçou seu desenvolvimento neste postulado e em prol dele. e trabalha pelo máximo desenvolvimento intelectual e moral de seus cooperadores. Todos quantos se interessem por uma cultura que conduza a formação de uma nova personalidade. livre de atavismos religiosos. da intolerância, característica das mentalidades autoritárias e das baixas preocupações da política, podem pertencer ao seu quadro social. {. .] Todos os espíritos inquietos, homens e mulheres estudiosos, quem dese1e investigar e saber, quantos sintam a nobre vocação de instruir-se e dignificar-se por uma cultura ampla e sadia, têm no CCS. sua casa onde são recolhidos com fraternal afeto" ("Centro de Cultura Social: suas finalidades e sobre o que vem desenvolvendo", A Plebe, nº 16, 02/06/1948). Atitude dos anarquistas nessa época direciona-se, sobretudo, no enunciado do primeiro número de A Plebe: "juntar os destroços deixados pelo tufão reacionário". É desta forma que os festivais do Centro de Cultura Social, onde se apresentam as peças teatrais anarquistas e números variados de entretenimentos, são avaliados como louváveis iniciativas "que muito concorrem para a aproximação de famílias que a ele comparecem com verdadeiro prazer". [nota: já em sua nova sede à rua Rubino de Oliveira, 85, no bairro do Brás, que também foi o endereço das duas últimas publicações da impressa anarquista O Libertário e  O Dealbar] " [...] Será no ano de 1966 onde Catallo escreverá entusiasmado ao seu amigo carioca Ideal Peres que: "Aqui eclodiu um furioso entusiasmo pela iniciativa que tomaram os irmãos Cuberos e o Valdir, de transformar o Centro de Cultura Social num teatro de arena".

Em 15 de junho de 1966 era inaugurado na sede do Centro de Cultura Social o "Laboratório de Ensaio" [...].  O Centro de Cultura Social terá um revigoramento sem precedentes com as atividades do Laboratório de Ensaio. Jaime Cubero dirá que esse foi o período mais fértil deste Centro; o Laboratório de Ensaio foi a resistência anarquista contra a ditadura na própria ditadura [...]. Os efeitos funestos do Ato Institucional nº 5, promulgado em dezembro de 1968, fizeram-se sentir; fechado o Congresso e suspendida as garantias de habbeas corpus, todas as vozes progressistas foram caladas: "Nós tínhamos uma edição pronta [de O Dealbar], 1000 exemplares para mandar. Eu fui a casa do Pedro Catallo. que era o editor e disse para ele não mandar o jornal porque a bruxa tava solta. Vão recolher isso ai e vão ficar com tanto endereço para prender gente que é melhor segurar. Levei o jornal e mostrei que a lei tinha sido assinada no dia anterior. Ele aceitou bem. E aí foi uma coincidência ... . O dono do prédio que nós alugávamos estava pedindo um aumento grande no aluguel[ .. ]. Quando veio o Ato nº 5 e o homem pediu o aumento, eu disse ao Pedro: "Nós estamos nessa situação, acho que esta na hora de pararmos com o Centro". Para ele foi um choque tremendo. A gente amava o Centro, nem pensava naquilo" (Jaime Cubero). E em 1969, Pedro Catallo fazia o seguinte anuncio no jornal: "Perdeu-se no trecho entre as ruas Oriente e Rubino de Oliveira, uma pasta contendo: 1 livro de Atas e um livro de Atas de Presença. além de outros documentos, pertencentes ao Centro de Cultura Social'. Alguns meses depois, o Centro de Cultura Social sustava suas atividades.

 

Terceira Fase: 1985 até o presente

(por Nilton Melo)

Mesmo após o fechamento em 1969 os seus componentes estiveram atuantes, ainda que clandestinamente, nas discussões do movimento libertário nos anos 1970, seja em reuniões clandestinas na sapataria dos irmãos Cubero, no bairro do Brás, quanto nas reuniões no sítio localizado em Mogi das Cruzes, São Paulo. Em 1977 é lançado em Salvador o  jornal O Inimigo do Rei, por um grupo de jovens estudantes da UFBa dos cursos de Filosofia, Economia, Comunicação e Ciências Sociaisexperiência da mais profícua do período,  que posteriormente terá apoio de um núcleo de São Paulo. Acompanhando a reabertura política e a reorganização do movimento anarquista que estava sendo gestado em vários estados, os antigos e novos militantes de São Paulo reabrem o CCS, conforme anunciou a revista Isto É sobre a retomada de um "centro cultural libertário no bairro do Brás": "Antigo bairro popular dos imigrantes italianos em São Paulo e reduto dos movimentos operários do inicio do século, o Brás (...), voltou a abrigar , domingo passado, 14, o combativo Centro de Cultura Social (CCS), uma das raras organizações anarquistas do país que sobreviveram aos últimos 21 anos. Instalados em duas modestíssimas salas na rua Rubino de Oliveira – no mesmo local em que funcionou até 1968 –, o CCS pode agora desfraldar livremente a sua histórica bandeira vermelha e preta" ("Como nos Velhos Tempos", Isto É, 17/04/1985).

A forma em que essa reorganização se deu foi de certa forma parecida com o momento de 1945. Os companheiros que se mantinham em prontidão durante a década anterior viram a reabertura do CCS como local público de difusão do anarquismo, além de uma forma de confluência dos militantes e simpatizantes naquele período de redemocratização. Algumas ações foram importantes para essa retomada como a encenação de peças teatrais pelo grupo Anarchos em 1985 e 1986, tentativa de articulação de núcleos pró-COB, comemorações de 100 anos do 1º de Maio em 1986, participação da Bienal do Livro com a editora Novos Tempos e comemorações dos 70 anos da Greve Geral de 1917 e Revolução Russa em 1987, participação com a Fundação Cultural São Paulo e da Faculdade de Ciências Sociais da PUC/SP do evento “Outros 500: Pensamento Libertário Internacional” em 1992, articulação de uma rede libertária  em nível nacional, NÓ/SP -— Núcleo de Ação e Propaganda de São Paulo (com reuniões em sua sede e utilização de uma coluna no boletim do CCS), dentre outros eventos.

O ano de 1998 foi de grandes perdas para o CCS e para o movimento anarquista em geral. Em maio, morre Jaime Cubero, em outubro Antonio Martinez (o Martins) e, em novembro, Maurício Tragtenberg. Falecimentos que foram se prolongando, a ponto de hoje praticamente não haver mais elementos da velha guarda entre nós. Ainda no ano de 1998 é formado um novo grupo teatral (06 de abril) com várias leituras dramáticas executadas.

A essa altura, o movimento anarquista no Brasil está maior e mais diversificado, diferente daquele que emergiu da década 1980 do qual o CCS foi um catalizador, não exercendo, contudo, um papel de vanguarda. Ainda assim, se fez presente em outros eventos bem mais plurais desde então, como a participação no início dos anos 2000 das reuniões da Ação Global dos Povos (AGP), diversas manifestações de rua (como o 1º de Maio em Santos, o S26 e o A20 em São Paulo) e dos debates sobre organização anarquista ocorridos no Encontro Internacional de Cultura Libertária, em Santa Catarina.

No início dessa reabertura, o fato de ter um local fixo e aberto ao público propiciou a caracterização do CCS como um espaço de encontro e cruzamento importante no movimento libertário, principalmente em São Paulo, sendo então a manutenção desse espaço de grande importância. Devido aos sempre persistentes problemas financeiros, em março de 1987 o CCS perde uma das duas salas que ocupava na Rua Rubino de Oliveira, saindo por fim do nº 85 para o nº 73 em 1993 para logo depois deixar de existir enquanto espaço próprio e passar a sublocar salas de terceiros, primeiramente junto à Editora Arquipélago na Rua Borges Lagoa, e em julho de 1994 na subsede do sindicato dos Químicos no Belém. No dia 06 de julho de 1996 o Centro de Cultura Social, abre novamente suas portas ao público, desta vez à Rua dos Trilhos, em um espaço cedido por uma companheira histórica, e no início de 2002 muda de endereço novamente para Rua Doutor Vila Nova, e outra vez mais, em 2004, indo para a rua Inácio de Araújo, no Brás. Todas essas idas e vindas faz o CCS lançar no final de 2005 uma nova campanha pela sede própria, que de forma muito feliz convergiu vários companheiros e simpatizantes de São Paulo, demais regiões do Brasil e da Itália, França e Portugal e com um substancial aporte dos companheiros da “Nossa Chácara”, sendo possível após sete décadas, adquirir a sua sede própria, em 2007, à Rua General Jardim —  período, este, que ainda está se desenrolando, e que portanto, ficará para ser relatado em outro momento, mais adiante.

 Algo que tem de ser lembrado é que, mesmo com os períodos em que o CCS ficou fechado, em suas reaberturas sempre havia vários dos elementos mais velhos, pertencentes à fase anterior, bem como havia a presença – fomentadas nos períodos de recesso – de novos elementos, pertencentes a uma nova geração. Nesse exercício de continuidade dos trabalho – mesmo sendo de épocas e com histórias diferentes – cada nova geração definia sua forma de ser, sem contudo perder aquilo que o CCS tem como essencial: ser um espaço de preservação da história e da memória anarquista, de ser um espaço de debate, de encontros, de resistência e de luta.